terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Último dia de trabalho e Darjeeling

O tão (não) esperado dia chegou, o último dia de trabalho.
Foi tudo estranho, aquela coisa de tentar parecer natural... a aula começou bem, conversamos bastante, eles , como sempre, reclamaram da professora efetiva ( que ainda está de férias).
No final da aula os alunos me disseram coisas bonitas, pegaram meu endereço no Brasil e os dois que tem e-mail, o meu e-mail. Me deram uma bolsa de presente e uma caixa de doces Indianos, a bolsa deve ter sido cara, parece ser de coro e eu vi eles juntando o dinheiro, acho que pegaram 50 rúpias de cada.
Hoje recebi um e-mail de um dos alunos, falando que todos estão insatisfeitos com a professora antiga (a que grita, humilha e expõe eles), dizendo que alguns deles querem deixar o curso e me pedindo para conversar com a diretora do escritório.



Me sinto feliz por saber que eles reconheceram o meu trabalho, foi realmente um grande desafio ensinar inglês, sem ser fluente, para adultos, que falam com sotaque forte, vem de situações adversas, têm uma cultura totalmente diferente de tudo que eu já tinha vivenciado.
Mas ao mesmo tempo me sinto mal por ter provocado o desconforto. Se eu não tivesse vindo, se eu não tivesse ensinado lá, talvez eles ainda estivessem satisfeitos com as aulas. Quando eu participava dos estágios de vivência em assentamentos rurais, nós chamávamos isso de não intervenção. O primeiro passo do agente transformador é observar o ambiente e a partir de então elaborar isso, e não introduzir mudanças sem saber se a estrutura está preparada para recebê-las.
Amanhã vou voltar no instituto, conversar com a diretora e ver se tenho abertura para falar um pouco sobre o que os alunos me falaram.
Na sexta mesmo saímos para Darjeelin, chegamos no trem, nós 4 tínhamos conseguido ficar na mesma cabine ( feita para 6 pessoas). Os outros dois coleguinhas eram Ingleses ( os únicos estrangeiros no trem)  e assim prosseguimos pelas próximas 10 horas, nós 6 e alguns camundongos que estavam correndo pelas beliches.
Chegamos na estação de trem e fomos procurar pelo jipe que nos levaria pra Darjeelin, até então eu não tinha entendido o porque precisávamos de jipes. Montanhas, altitude, ok... mas porque não podíamos pegar um taxi?
Pelas próximas 3 horas e meia eu fui introduzida bruscamente à realidade haha. O caminho de pedras, com espaço suficiente pra meio jipe, por onde passavam dois e uma subida sem fim em uma versão túnel do terror da serra de santos me mostraram o porquê dos jipes(daqueles fechados para 10 pessoas). Para melhorar a nossa situação, em certo ponto o jipe morreu, e a subida é tão inclinada que o motorista não conseguia liga-lo de novo. Tivemos todos que sair do jipe e andar morro acima por 5 minutos eu meia hora, não sei ao certo (a subida e o efeito da altitude fizeram esse momento parecer sem fim).
Chegamos em Darjeeling, achamos o hotel, barganhamos o preço, passeamos de maria fumaça, comemos. No outro dia acordamos às 3 da manhã para ir ao Tiger Hill ver o nascer do sol nos Himalaias. A chinesa não estava muito bem, então fomos só nós 3 ( eu, a outra brasileira e o chinês/canadense). Frio, muito frio. Eu estava com 2 meias, 3 calças, 2 blusas e 2 casacos, gorro, luvas, e enrolada em um cobertor e ainda com frio.  Mas o nascer do sol é lindo.

Eu nunca fui fã de viajar para pontos turísticos, tirar fotos, ver cenários. Sempre preferi pessoas. Mas ver o Himalaia ali, do seu lado, aquele Himalaia que você ouviu falar a vida toda, nas aulas de geografia, na televisão, nos livros, isso é impagável.




Durante a tarde passeamos, visitamos uma cidade 3 horas distante de Darjeeling, vimos as plantações de chá ( famosas mundialmente), passamos pela borda do Nepal. Fomos a um templo japonês, tocamos tambores e cantamos o mantra.


Na segunda passeamos pela cidade e voltamos para a estação de trem. A descida de jipe não é nem um pouco mais agradável que a subida, ainda mais quando se pega quase uma hora de engarrafamento de jipes nas montanhas (?!?!). Depois de muita barganha, de 350 conseguimos chegar a estação por 60 rúpias ( chega uma hora que cansa barganhar até para respirar aqui, basta ser estrangeiro que o preço inflaciona no mínimo 5x). Pegamos o trem, que ela primeira vez não estava congelantemente frio, mas cheio de velhos gordos roncando e etc e tal durante a noite.
Hoje não fiz muito, arrumei minhas malas, sai para resolver algumas coisas, encontrei um amigo Indiano (odeio despedidas).
Comprei um livro sobre a vida de Buda e achei essa conto interessante, vale a pena deixar aqui:
Uma vez, Gautam Buddha estava passando por uma vila e foi cercado por uma multidão que o insultava e lhe dizia coisas ruins por ele não reconhecer o Hinduismo.  Ele ouviu tudo e continuou em silencio. Seus discípulos estavam cheios de fúria, mas não podiam fazer nada uma vez que o seu Mestre estava em silencio como se todas as pessoas estivessem dizendo as coisas mais doces possíveis.
Finalmente Buddha disse a multidão:” se vocês já terminaram de dizer tudo o que precisavam, eu gostaria de continuar a minha jornada para a próxima vila onde as pessoas estão esperando por mim. Mas se ainda não terminaram, eu volto em alguns dias e os aviso. Ai vocês terão tempo suficiente para me dizer tudo o que querem.”
Um homem disse: “ você acha que estamos te dizendo alguma coisa? Nos estamos te condenando! Você não está entendendo? Porque qualquer um estaria furioso. E você está em silencio o tempo todo.
(...)
Então Buddha diz: “Eu gostaria de lhes fazer uma pergunta. Na última vila, as pessoas me receberam com frutas e flores. No entanto não pudemos aceitar pois já havíamos comido e não carregamos coisas em nossa jornada. Nós pedimos desculpas e dissemos que iriamos carregas apenas o amor deles. O que vocês acham que eles fizeram com os doces e as flores depois?
Então um homem responde: “ Qual é o mistério nisso? É claro que eles distribuíram as flores e doces pela vila.”
E Buddha diz: “ Isso me deixa realmente triste. O que vocês irão fazer? Pois eu não aceito o que vocês trouxeram, da mesma forma que não aceitei os presentes na última vila. O que vocês vão fazer com todo esse lixo que me trouxeram? Vocês terão que levar para suas casa, distribuir entre sua família, amigos vizinhos. Terão que levar de volta, porque eu não aceito isso. Vocês não podem me atingir a não ser que eu aceite a humilhação e o insulto que vocês trazem.
Insultar a mim é seu problema. Eu posso simplesmente ouvir a isso e continuar meu caminho.

Até logo pessoal!




quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Não aprendi dizer adeus...

Ai, ai, ai ta chegando a hora!
Amanhã começa minha última semana na Índia, e amanhã também, é meu último dia no trabalho!
Meus posts também estão chegando ao fim, viajo sexta para Darjeeling para ver os himalaias e as plantações de chá, e depois, logo logo, estou indo pra casa.
Acho que nunca na minha vida eu aprendi tanto quanto nesses 2 meses na Índia. Nós, seres pensantes, sofremos desse problema de grandiosidade, de achar que sabemos de tudo. Estar em um lugar onde esse tudo é absolutamente diferente (e conseguir absorver isso) nos mostra o quanto nosso círculo é pequeno, o quanto limitado é o nosso saber.
E principalmente o quanto temos potencial para fazer o melhor da nossa vida. Bastou eu levantar a bunda da cadeira e me mexer para ir atrás de conhecer algo novo para eu encontrar pessoas e amigos maravilhosos, para me sentir muito melhor comigo mesmo.
Uma das melhores coisas que fiz aqui foi exercitar minha capacidade e experimentar.  Tanto coisas novas como coisas velhas (feitas de uma nova forma) e tudo começou pela comida. Acho que uma das maiores dificuldades aqui é a comida, é muito difícil saber o que se está comendo, conseguir pedir o que se quer e nem vale a pena comentar quanto a questão da higiene.
Na minha segunda semana aqui, eu já tinha achado 2 ou 3 lugares onde eu conseguia pedir comida e eu sabia que eu ia conseguir comer. Foi então que eu pensei: “ Eu atravessei o planeta pra fazer/comer  a mesma coisa todo dia? Nem fu^&%$#!”  Desde então, eu prometi para mim mesma que todo dia ia comer alguma coisa diferente, alguma fruta, algum prato, algum molho. O importante era que eu nunca tivesse experimentado antes.
E parece que desde então a minha percepção de várias coisas vem mudando. Quando eu peço prato X e recebo prato Y, acho divertido experimentar alguma coisa nova. Quando fico perdida, tiro um tempo para andar pelos arredores (perdida por perdida, no fim vou ter que me virar para voltar pra casa de qualquer forma). Pergunto sobre assuntos que não me interessariam antes, vou para lugares que eu sei que eu não gostaria de ir antes, mas tento ver com outros olhos, quando quero pedir informação não procuro mais pelos sapatos sociais ( para tentar achar alguém que fala inglês nas ruas quando precisamos, procuramos pelos sapatos, se não estão descalços, ou com chinelos e sandálias, a chance de falarem inglês é maior) e sim pergunto para todo mundo até achar o que quero.
Ontem passei o dia andando pela cidade sozinha, fui aos mercados, nas feiras, para achar as ultimas coisas que eu queria levar para casa. Experimentei roupas, sapatos, chás, temperos, musicas, livros.  Conversei em Inglês, Hindi, Bengoli, espanhol, falei sobre o Brasil, sobre meu trabalho, minha faculdade, sentei com os vendedores da feira, tomamos chá.
Hoje meus alunos quase me fizeram chorar. Todos os dias eles perguntam quando eu vou embora reclamam de ter que ter aula com a professora velha depois que eu for e tudo mais, mas hoje como penúltimo dia foi o grande choque. Já é amanhã!
Os dois alunos que eu sou mais próxima falam todo dia que vão sentir minha falta e quanto importante tudo isso foi pra eles, mas hoje dois outros alunos que não falam muito resolveram falar.
Um disse que ia ficar esperando eu voltar pra Índia e que tinha medo de que eu esquecesse eles. O outro, bem mais velho, disse que aqui na Índia, homens não choram, então eu não ia vê-los chorando amanhã, mas que com certeza eles todos já estavam chorando por dentro. ( e eu chorando por dentro e por fora enquanto escrevo).
A mesma sensação  que eu tive quando estava indo embora dos EUA eu estou tendo agora, eu pensei que isso não ia acontecer, fiquei aqui só 2 meses, mas está sendo muito mais forte. A sensação de que é a ultima vez que passo por determinado lugar, ultima vez que aceno ou sorrio para determinada pessoa, ultima vez que converso com alguém. E que mesmo que eu volte daqui 6 meses, um ano, ou 10 anos, nunca mais vai ser igual. Nunca mais vou começar minhas noites conversando em hindi-bengoli-inglês com o menino da barraquinha de comida, passar as tardes tomando chá na loja de temperos e falando sobre Pelé, Kaka e Ronaldinho, ou gastar 30 minutos todo dia para conseguir explicar que quero meu almoço sem chilli ou ficar feliz simplesmente por ter acordado mais um dia sem dor de barriga.
Hoje terminei de ler um livro que trouxe do Brasil, e uma das citações diz:
“... Meu primeiro professor costumava ter uma espécie de batalha de apostas com o universo. O universo faz algo de bom pra você e você responde:
- Ah, você acha que isso foi bom, Rá! Veja só o que eu vou fazer por você; vou te dar o troco em dobro
- Ótimo, mas agora vou retribuir a você em dobro – prossegue o universo. Então você continua:
- Ainda não estou impressionado...”
E realmente, tudo isso que aconteceu e está acontecendo aqui está sendo maravilhoso. Agora é a minha vez de dar o troco...




Quer conversar sobre a despedida da professora enquanto ela está na classe e sem que ela entenda, simples, é só falar em Bengoli. 
Bala de café e doce de banana.


Suco de guaraná