Eu já comentei sobre isso, mas quero falar de novo. A Índia é sim um país que enfrenta diversas
dificuldades, a sociedade ainda é cheia de cicatrizes deixadas pelo sistema de
castas e a miséria, ao contrario do nosso país, não está escondida. Andar pela
cidade, desviando das pessoas que moram nas ruas, (literalmente, dormindo,
comendo e vivendo jogados na sarjeta) com toda a família, tomando cuidado para não tropeçar
nas crianças e bebes que vivem nas calçadas e que, quando muito, estão vestidas
com alguma camiseta velha ou enrolados em cobertores, as vezes me fazem pensar
que lugar pior que esse não existe.
Mas ai, me lembro de que no Brasil também é assim, a única diferença
é que estão todos escondidos nas favelas ou morrendo de sede no nordeste. Eu
sempre soube disso, e sempre me incomodou. Mas infelizmente, para mim, foi
preciso atravessar o mundo e ter essa realidade me cercando todo os dias, para
que eu pudesse realmente entender que algumas horas de serviço voluntário por
semana no Brasil e reciclar meu lixo não é, nem de longe, o que vai fazer essa situação
mudar. Só o fato de termos casa, educação, e comida todo os dias, nos da um
poder de ajudar muito maior do que podemos imaginar.
Hoje indo para o trabalho passei por mais uma das cenas que
me marcam todos os dias. Três crianças, (impossível de dizer a idade, são todos
muito magros e pequenos) estavam “na
casa deles” em baixo de uma tenda de bambu coberta de plástico, do tamanho de
uma mesa, sentados em um pedaço de
papelão com 3 livros abertos, fazendo a tarefa da escola. E eu não consigo nem
lembrar quantas vezes por semana eu reclamo de ter que ir pra minha faculdade e
ficar quatro horas em uma sala com cadeiras almofadadas, ar condicionado e internet
wireless....
Chegando ao assunto, mesmo pertencendo ao Brasil “ um país
de todos”, eu nunca vi um lugar que realmente pudesse definir diversidade, até
3 semanas atrás.
Todos dizem que o Brasil é um país amigável, aberto a
diversidade, com liberdade política e religiosa. E toda vez que encontramos uma
pessoa com opinião, religião, crença ou gosto diferente dos nossos batemos no
peito para dizer que aceitamos diversidade e no segundo seguinte estamos
tentando provar, a todo custo, o quando o nosso ponto de vista é melhor ou mais
correto, e o quando a outra pessoa tem a aprender conosco. Mesmo quando
encontramos alguém com os mesmos gostos que os nossos, usamos isso como uma
valiosa oportunidade de ressaltar o quanto corretos estamos e ter mais alguém para
dividir nossas criticas a respeito “dos outros que são diferentes”. Em maior ou
menor grau, maior ou menor consciência, todos fazemos, você faz, eu faço.
E assim que vim pra cá, com todos os argumentos para
defender meus pontos de vista, e até agora não precisei usar nenhum. Diversidade é entrar em uma classe e ter
alunos me perguntando sobre Cristianismo, me explicando Hinduísmo, ou mesmo,
sendo Hindu, mas me explicando sobre os festivais Mulçumanos porque o colega
mulçumano não consegue responder minha dúvida em inglês.
A maioria dos Hindus não come carne. Dizem que em um mundo
com tanta oferta de alimentos, não há motivos para tirar a vida de outro ser
vivo somente para satisfazer nossos desejos. Alguns comem frango, peixe e/ou
carneiro, mas não carne de vaca, pois a vaca é um animal sagrado. Segundo eles
a vaca é a representação de toda a vida na terra e não há razão para se tirar a
vida de nenhum ser vivo. Além disso, a vaca nos da leite, uma das principais
bases alimentares na Índia, junto com a lentilha e batata. Então dizem, porque
tirar a vida de um animal que nos da tanto sem pedir nada em troca?
Todas as vezes que estou conversando com algum indiano sobre
comidas, ou em algum restaurante me perguntam se eu como carne, eu digo que sim
e eles me mostram os melhores pratos com carne (peixe, frango ou carneiro) no
cardápio, ou me falam quais pratos indianos e não vegetarianos eu deveria
experimentar na Índia. Se eu pergunto: e você? Come carne? Me respondem sim ou
não e sorriem. Tente ter esse tipo de conversa com um vegetariano no Brasil...
e depois me contem o quanto aberto a diversidade nós somos...
Expliquei como os casamentos funcionavam aqui, que não eram
arranjados. Quando terminei me disseram: que interessante, você quer saber como
funciona aqui? Me perguntaram como funcionava Deus ou Deuses no cristianismo e
a questão dos Santos, eu expliquei, e me disseram: aqui veneramos mais de um
Deus, quer que te contemos as histórias?
E o mesmo com todos os outros assuntos que foram tratados,
me disseram, a sociedade aqui, embora não mais legalmente é dividida em castas,
é um grande problema pro nosso país, e no seu país, como é a estrutura social?
Não existe certo ou errado, atrasado ou adiantado. Existe minha cultura, a sua
cultura e vamos aproveitar o nosso tempo juntos para dividir o máximo de
conhecimento que podemos e não discutir qual é o melhor país para se viver no
mundo. Temos a mesma opinião em um assunto?! Vamos para o próximo, rápido,
rápido! Eu quero ouvir o que de diferente você tem a me dizer.
Ouvir sem fazer criticas e sem tentar defender nosso ponto
de vista a todo custo em discussões sobre sociedade, meio ambiente,
relacionamentos, religião, política, educação, ainda está longe de ser
realidade para nós do “ País de todos”.
Vamos começar aceitando diferenças simples. Eu gosto do
feijão por cima do arroz e de dormir sem meias. E você, o que tem a me dizer?
Sensacional o seu post! Gostei muito mesmo!
ResponderExcluirAcho q tô ficando repetitivo nos meus coments, rs! Mas a cada dia está ficando mais interessante ler suas histórias. Bjs
ResponderExcluirBuscando lá nas origens do nosso Brasiu brazileiro, é MUITO notável a influência da colonização portuguesa na nossa hierarquia social. Não sei definir se isso é ruim, mas toda essa nossa miscigenação, mistura e diluição de valores de diferentes culturas só nos transformam num real simulacro de hospitalidade e abstenção de preconceitos tolos.
ResponderExcluirUm dos meios de se examinar a estrutura social, a meritocracia (termo este que nem existe no aurélio) demonstram o quão estão postulados os valores de uma nação, tal como o individualismo norte-americano ou coletivismo nipônico. Isso no Brasil non ecziste!
Tem um livro que fala disso (recomendo), que é o "Igualdade e meritocracia: a ética do desempenho nas sociedades modernas" da Lívia Barbosa.
Mas está sendo muito legal acompanhar suas histórias, Nariz! É muito legal conhecer um pouco mais dessa parte mais crítica do indiano, ao invés da sua falta de higiene ou essa cultura boba de novela. Namaste!