O tão (não) esperado dia chegou, o último dia de trabalho.
Foi tudo estranho, aquela coisa de tentar parecer natural...
a aula começou bem, conversamos bastante, eles , como sempre, reclamaram da
professora efetiva ( que ainda está de férias).
No final da aula os alunos me disseram coisas bonitas,
pegaram meu endereço no Brasil e os dois que tem e-mail, o meu e-mail. Me deram
uma bolsa de presente e uma caixa de doces Indianos, a bolsa deve ter sido
cara, parece ser de coro e eu vi eles juntando o dinheiro, acho que pegaram 50
rúpias de cada.
Hoje recebi um e-mail de um dos alunos, falando que todos
estão insatisfeitos com a professora antiga (a que grita, humilha e expõe
eles), dizendo que alguns deles querem deixar o curso e me pedindo para
conversar com a diretora do escritório.
Me sinto feliz por saber que eles reconheceram o meu
trabalho, foi realmente um grande desafio ensinar inglês, sem ser fluente, para
adultos, que falam com sotaque forte, vem de situações adversas, têm uma
cultura totalmente diferente de tudo que eu já tinha vivenciado.
Mas ao mesmo tempo me sinto mal por ter provocado o
desconforto. Se eu não tivesse vindo, se eu não tivesse ensinado lá, talvez
eles ainda estivessem satisfeitos com as aulas. Quando eu participava dos
estágios de vivência em assentamentos rurais, nós chamávamos isso de não
intervenção. O primeiro passo do agente transformador é observar o ambiente e a
partir de então elaborar isso, e não introduzir mudanças sem saber se a estrutura
está preparada para recebê-las.
Amanhã vou voltar no instituto, conversar com a diretora e
ver se tenho abertura para falar um pouco sobre o que os alunos me falaram.
Na sexta mesmo saímos para Darjeelin, chegamos no trem, nós
4 tínhamos conseguido ficar na mesma cabine ( feita para 6 pessoas). Os outros
dois coleguinhas eram Ingleses ( os únicos estrangeiros no trem) e assim prosseguimos pelas próximas 10 horas,
nós 6 e alguns camundongos que estavam correndo pelas beliches.
Chegamos na estação de trem e fomos procurar pelo jipe que
nos levaria pra Darjeelin, até então eu não tinha entendido o porque
precisávamos de jipes. Montanhas, altitude, ok... mas porque não podíamos pegar
um taxi?
Pelas próximas 3 horas e meia eu fui introduzida bruscamente
à realidade haha. O caminho de pedras, com espaço suficiente pra meio jipe, por
onde passavam dois e uma subida sem fim em uma versão túnel do terror da serra
de santos me mostraram o porquê dos jipes(daqueles fechados para 10 pessoas).
Para melhorar a nossa situação, em certo ponto o jipe morreu, e a subida é tão
inclinada que o motorista não conseguia liga-lo de novo. Tivemos todos que sair
do jipe e andar morro acima por 5 minutos eu meia hora, não sei ao certo (a
subida e o efeito da altitude fizeram esse momento parecer sem fim).
Chegamos em Darjeeling, achamos o hotel, barganhamos o
preço, passeamos de maria fumaça, comemos. No outro dia acordamos às 3 da manhã
para ir ao Tiger Hill ver o nascer do sol nos Himalaias. A chinesa não estava
muito bem, então fomos só nós 3 ( eu, a outra brasileira e o chinês/canadense).
Frio, muito frio. Eu estava com 2 meias, 3 calças, 2 blusas e 2 casacos, gorro,
luvas, e enrolada em um cobertor e ainda com frio. Mas o nascer do sol é lindo.
Eu nunca fui fã de viajar para pontos turísticos, tirar
fotos, ver cenários. Sempre preferi pessoas. Mas ver o Himalaia ali, do seu
lado, aquele Himalaia que você ouviu falar a vida toda, nas aulas de geografia,
na televisão, nos livros, isso é impagável.
Durante a tarde passeamos, visitamos uma cidade 3 horas
distante de Darjeeling, vimos as plantações de chá ( famosas mundialmente),
passamos pela borda do Nepal. Fomos a um templo japonês, tocamos tambores e
cantamos o mantra.
Na segunda passeamos pela cidade e voltamos para a estação de
trem. A descida de jipe não é nem um pouco mais agradável que a subida, ainda
mais quando se pega quase uma hora de engarrafamento de jipes nas montanhas
(?!?!). Depois de muita barganha, de 350 conseguimos chegar a estação por 60
rúpias ( chega uma hora que cansa barganhar até para respirar aqui, basta ser
estrangeiro que o preço inflaciona no mínimo 5x). Pegamos o trem, que ela
primeira vez não estava congelantemente frio, mas cheio de velhos gordos
roncando e etc e tal durante a noite.
Hoje não fiz muito, arrumei minhas malas, sai para resolver
algumas coisas, encontrei um amigo Indiano (odeio despedidas).
Comprei um livro sobre a vida de Buda e achei essa conto
interessante, vale a pena deixar aqui:
Uma vez, Gautam Buddha estava passando por uma vila e foi
cercado por uma multidão que o insultava e lhe dizia coisas ruins por ele não
reconhecer o Hinduismo. Ele ouviu tudo e
continuou em silencio. Seus discípulos estavam cheios de fúria, mas não podiam
fazer nada uma vez que o seu Mestre estava em silencio como se todas as pessoas
estivessem dizendo as coisas mais doces possíveis.
Finalmente Buddha disse a multidão:” se vocês já terminaram
de dizer tudo o que precisavam, eu gostaria de continuar a minha jornada para a
próxima vila onde as pessoas estão esperando por mim. Mas se ainda não
terminaram, eu volto em alguns dias e os aviso. Ai vocês terão tempo suficiente
para me dizer tudo o que querem.”
Um homem disse: “ você acha que estamos te dizendo alguma
coisa? Nos estamos te condenando! Você não está entendendo? Porque qualquer um
estaria furioso. E você está em silencio o tempo todo.
(...)
Então Buddha diz: “Eu gostaria de lhes fazer uma pergunta.
Na última vila, as pessoas me receberam com frutas e flores. No entanto não
pudemos aceitar pois já havíamos comido e não carregamos coisas em nossa
jornada. Nós pedimos desculpas e dissemos que iriamos carregas apenas o amor
deles. O que vocês acham que eles fizeram com os doces e as flores depois?
Então um homem responde: “ Qual é o mistério nisso? É claro
que eles distribuíram as flores e doces pela vila.”
E Buddha diz: “ Isso me deixa realmente triste. O que vocês irão
fazer? Pois eu não aceito o que vocês trouxeram, da mesma forma que não aceitei
os presentes na última vila. O que vocês vão fazer com todo esse lixo que me
trouxeram? Vocês terão que levar para suas casa, distribuir entre sua família,
amigos vizinhos. Terão que levar de volta, porque eu não aceito isso. Vocês não
podem me atingir a não ser que eu aceite a humilhação e o insulto que vocês trazem.
Insultar a mim é seu problema. Eu posso simplesmente ouvir a
isso e continuar meu caminho.
Até logo pessoal!