terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Primeiro dia de trabalho.


Acordei cedo, me arrumei com as outras meninas e fui com o Ankit para o meu trabalho.  O que se vê nas ruas é uma mistura extremamente chocante de miséria humana, desigualdade e falta de dignidade pintada de as mais coloridas das cores, embaladas ao som de um transito caótico que não nos permite conversar enquanto andamos. São muitas pessoas, muitos cachorros e muitos gatos, vivendo em uma situação de praticamente igualdade morando em uma calçada  de terra se cobrindo com tábuas e lonas a cada esquina, tomando banho com baldes no meio da calçada, se aquecendo em fogueiras improvisadas e cozinhando com agua dos esgotos que correm a céu aberto. E mesmo assim, ao mesmo tempo transmite a maior paz e serenidade que eu já senti na minha vida.
Quando cheguei ao prédio do meu projeto, encontrei a atual professora, uma senhora chegando aos seus 50 anos, tradicionalmente vestida em um sare indiano e capaz de falar inglês e Bangoli ( língua falada no estado de West Bengal pelas castas mais baixas e tradicionais que muitas vezes não tiveram acesso nem ao aprendizado de Hindi, a Língua oficial do país). Ela vai trabalhar comigo, me ajudando na tradução e tendo certeza que pelo menos em alguns momentos, das 4 horas diárias de segunda a sábado em que os alunos em que os alunos estão no curso, eles sejam submetidos a mais rígida educação Indiana, baseada na repetição e humilhação pública dos estudantes ( mais isso é outro tópico).
Ao entrar na sala de aula, um lugar minúsculo onde 10 pessoas não ficariam confortáveis, para conhecer os meus estudantes, fiquei surpresa. São cerca de 20 homens e 3 mulheres, todos com mais de 20 anos, vindo de situações de pobreza e desigualdade, muitas vezes sendo arrimo de família e pagando pelo curso uma quantia altíssima, em relação as expectativas de remuneração deles, na esperança de conseguir um dia, garantir condições básicas de bem estar.
Quando entrei na sala todos se levantaram imediatamente, me deram um “Bom dia senhora Juliana” e ficaram esperando  minha autorização para sentar novamente. Eu podia ver nos olhos deles o nervosismo e o medo de simplesmente estar falando e o pânico de terem que responder alguma questão caso eu a fizesse.
Eu contei sobre mim, minha vida no Brasil, como inglês também não é minha primeira língua e como eu sei que é difícil romper essa barreira. Eles conseguem entender muito bem, embora no começo ficassem perdidos com o meu sotaque depois de algumas horas na sala tudo já era muito mais fácil. Mas minha surpresa toda começou quando eu pedi para eles se apresentarem.
Eles estavam vestidos nas melhores roupas que tinham as camisas velhas e calças sociais manchadas, alguns com sapatos e a maioria com sandálias e pés sujos, cadernos amassados, utilizados até o fim da linha para não desperdiçar folhas. Era como se eles tivessem indo para um corredor da morte, o pânico e nervosismo deles em falar em público e em inglês, uma língua que eles não dominam, quase me fez pedir para sair da sala de tristeza. A cada erro eram humilhados pela professora que os incentivava a continuar a apresentação com gritos e tapas na mesa. Com muito sacrifício aos poucos eu fui entendendo quem são essas novas pessoas que nunca mais saíram da minha vida.
Eles são formados em direito, pedagogia, ciências da computação, estão fazendo pós-graduação em matemática, desenvolvimento de sistemas, contabilidade ( existem muitos cursos superiores a distancia, o que permite um maior acesso a faculdade).  São professores, meninas de 23 anos que cuidam da mãe doente, dos irmãos e morrem de vergonha de dizer que o pai abandonou a casa alguns anos atrás. São jovens que tem que saíram das suas vilas a 200, 300 quilômetros daqui para fazer esse curso e tem que escolher entre comer ou pagar o ônibus ou metro para o curso todo dia. Que estudam e trabalham para pagar os estudos e sustentar famílias.
São jovens que nunca tiveram a oportunidade de falar, nunca foram ouvidos, não acreditam que tem potencial, mesmo tendo passado no exame de admissão de uma das maiores pós-gaduações em engenharia do estado e não tendo feito, por não ter dinheiro para pagar a matrícula. Eles tem medo de se expressar, de perguntar, de errar. Toda vez que a professora perguntava alguma coisa eles engasgavam, gaguejavam, apertavam as mãos e tremiam, o pânico deles era tão grande que meus olhos enchiam de lagrimas a cada vez que a professora os censurava e os mandavam sentar dizendo que eles não sabiam nada.
Eu fui para casa encantada com a oportunidade que tinha sido me dada, de fazer a diferença na vida dessas pessoas e ao mesmo tempo tentando entender essa louca realidade.
Mudamos para a nova casa, o apartamento é lindíssimo, são dois quartos muito grandes e vamos ser em 10 estagiarios por enquanto estamos em Brasil, Nova Zelandia, Ucrania, Polonia, Portugal.

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