terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Um pouquinho mais sobre meu trabalho


Hoje é segunda-feira, e enfim consegui escrever sobre tudo que se passo aqui. São tantas coisas acontecendo que não quero perder nenhum detalhe.
Acordei por volta das 7 da manhã, sou a primeira a acordar na casa, o meu trabalho é o que começa mais cedo. Não tomei banho porque está muito frio e não temos agua quente. O Eduardo que está aqui é americano mas mora em Portugal, ele tinha comprado cereal e pela primeira vez desde que cheguei aqui comi alguma coisa sem pimenta.
Sai para trabalhar, tenho que andar cerca de 20 minutos, então eu pego um Auto rick-shaw e depois ando por mais 15 minutos no lugar em que acaba a rota. As únicas coisas que sei falar em Hindi são Hazara ( que é a estação que eu ir) Baligan je phadi ( que é a estação que eu tenho que voltar) e Gurusaid Road que é a rua principal perto do apartamento. De resto não entendo nada do que os motoristas falam ou perguntam, passo o tempo todo respondendo com o endereço que quero ir seguido de “ eu só falo inglês”  até agora tem funcionado, um dia, quem sabe, eu entenda o resto.
Os indianos não estão acostumados a ver estrangeiros aqui, por onde vou, principalmente quando estou sozinhas, eles ficar olhando sem parar. Aqui eles não tentam puxar assunto e os olhares não me incomodam, ao contrario dos outros estagiários eu adoro sair do apartamento e ir andar e ver o que acontece nas ruas. Em restaurantes, na casa dos indianos, na portaria do prédio ou mesmo no lugar onde eu trabalho existem os serventes, as pessoas das castas que fazem os serviços de limpeza e servem aos indianos das castas superiores  ao contrario do que acontece aqui eu sempre peço por coisas usando por favor e obrigada e dou bom dia, oi e tchau, e eles sorriem para mim o tempo todo. Hoje durante o trabalho o Dipak (servente do escritório) me levou chá com leite 2 vezes, mesmo sem eu ter pedido e também uma garrafa de água. Quando eu fui levar as xicaras e a garrafa de volta para a cozinha eles ficou desesperado e tirou da minha mão, dizendo alguma coisa como “ não, não,  não senhora” ( ele não fala quase nada em inglês), a diretora falou que eu não precisava fazer isso, eu respondi dizendo educadamente que independentemente do que ela falasse eu iria fazer, sorri e continuei andando.
A aula foi legal, meus recursos ainda são limitados porque não tenho internet e eles não tem material didático lá, mas em menos de uma semana eu já vejo os alunos progredindo. Agora que estou acostumando com o estereótipo indiano fica mais fácil de lembrar os nomes  e as personalidades deles.
A professora Indiana, claramente tem outra metodologia de ensino, como eu já disse anteriormente. São gritos, humilhação ( como a bronca que ela deu em um dos meninos hoje por ele não estar de sapatos fechados. Ela perguntou se ele tinha sapatos, ele falou que sim, mas com toda certeza, se ele os tivesse ele não estaria de sandálias, pelo menos não com o frio que estava hoje) e repetições.
Eu não concordo, e não faço questão nenhuma de esconder, a classe está uma bagunça com as cadeiras em circulo, eles não levantam mais para responder as questões eu vou até a cadeira deles e abaixo para manter contato visual e eu pedi que não me chamassem de senhora. Porém, os mesmo alunos que há 5 dias atrás não conseguiam responder perguntas como “qual é seu nome e de onde você veio” agora brigam entre si para ver quem vai me responder primeiro quando pergunto sobre política, economia, ou qual é o objetivo deles para o futuro. O inglês pode não ser o mais claro e fluente do mundo, mas com ajuda dos colegas que sabem um pouco mais ou tem uma melhor pronuncia eu sempre entendo.
Hoje, antes de a aula começar, os 2 alunos que falam melhor vieram me perguntar como eu ensino no Brasil, se eu também uso a mesma metodologia que a professora deles, eu falei que não que eu não acho que repetição é uma boa forma de aprendizado, que na minha opinião eles deveriam responder o que  tinham entendido dos textos e não decora-los para repetir (como a professora exige). Eles disseram que pensavam o mesmo, e como eu sabia que ela estava do lado de fora da sala e provavelmente ouvindo eu falei para eles que eles deveriam perguntar isso a ela e pedir que ela explicasse o porquê da metodologia dela e eles expusessem a opinião deles.
Eles perguntaram e provavelmente foi a primeira vez que ela foi questionada por um aluno. Ela explicou o porque usa repetição ( que foi assim que ela aprendeu na escola há décadas atrás etc etc). Coincidência ou não, não tivemos mais repetição por hoje.
Eu fico bastante tempo sozinha com eles na sala, mas algumas vezes a professora volta para a sala para fazer as atividades dela, embora ela não pareça muito feliz com a minha presença, ela também não está pedindo para eles levantarem mais e os gritos e repetições parecem estar diminuindo, hoje ela até mesmo aplaudiu alguns deles depois que eles falavam. Eu não gosto de julgar culturas, eu sei que todas as escolas (seja para crianças ou para adultos como a minha) trabalham desse forma, mas respeitosamente eu estou mostrando uma outra possibilidade. Se ela realmente entender como essa forma de motivação e ensino pode ajudar (não só ela, mas os 4 ou 5 alunos na sala que são professores também), ótimo, se ela só estiver fazendo isso enquanto eu estou aqui para não batermos de frente vai ser triste, mas eu quero fazer de tudo para que, pelo menos, esses meninos/homens que eu conheci, tenham um futuro melhor.
Eu falei para eles semana passada que quando eles tivessem se apresentando em entrevistas de emprego eles deveriam dizer no que eles eram bons. No começo eles não conseguiam dizer nada, diziam apenas o nome, da onde tinham vindo e o nome da escola que estudaram. Depois de muito aperta-los, hoje eu tive homens ficando de pé, sem tremer, sem gaguejar e falando não mais que eles não sabiam falar inglês e sim que eles  eram formados e direito, bons com matemática, especialistas em computação, capitães dos times de críquete .
Hoje um novo aluno entrou no curso, ele não estava apavorado igual aos outros quando cheguei aqui, ele saiu da aula sorrindo e conseguiu entender quando eu perguntei e ele tinha gostado da aula, a resposta foi um sim ( na verdade eles falam tão baixo que eu não consegui ouvir, mas o sorriso dele não deixou dúvidas). Mais um dos meninos contou que teve que parar a faculdade por não ter dinheiro. Não existe contato físico entre homens e mulheres aqui, mas todo dia eu tenho vontade de abraça-los e dizer que tudo vai ser melhor um dia, na verdade eu gostaria de ter certeza que essas pessoas tão especiais que já mudaram minha vida, vão um dia, ter um futuro melhor...

3 comentários:

  1. Nem preciso dizer o quanto eu me orgulho de você, né? Vc é especial e eu me sinto feliz de ter alguém assim ao meu lado! Te amo!

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  2. Pé sujoooooo!
    Li todo seu blog...vou acompanhar sempre agora.
    Tb tenho orgilho de vc..
    Vc é linda!
    Bjsssss

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  3. Parabéns pelo belo trabalho que esta fazendo aí! Abraços Andrea

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